Saudade

A dor pulsa na pele
Expulsa e expele
Acompanhando o passado que é presente
Insistente em ficar onde não deveria
Longe do que seria uma sensação passageira
Ela, que é sorrateira, resolveu fazer morada
Atravessando a entrada da alma
E sem trazer nenhuma calma
Tornou o que era bem claro em uma penumbra
Tão rápida como um disparo
Escorre pelas mãos do poeta
E viajando sem meta
Vai se instalando nos corações
Variados tons completam a obra
Que ao olhar, até parece meio torta
Mas que confirma aquilo que importa
Que um dia veio, deixou suas coisas, e foi embora"

Enigma



Enquanto chove aqui dentro, as crianças estão lá fora levando suas brincadeiras a sério demais

Elas não sabem, mas suas diversões são apenas encenações

Assim como as minhas recreações são fingimentos

E por mais que eu tente, sempre faleço na ponta da caneta para reviver na superfície do papel

Enquanto chove aqui dentro, o sol brilha lá fora

As gotas dessa chuva caem sobre meu rosto e escorrem como um lamento

Elas escrevem uma tímida poesia sobre minha face

Chove aqui dentro

Chove em mim"

O olhar dela

Quem pode descrever o olhar dela?

Que de uma forma mágica te captura com uma imagem tão bela

Te faz esquecer do presente e do agora

Como se não existisse mais um mundo lá fora

Te faz pensar no amanhã e no depois

No retomar da alegria que um dia se foi

Seu encarar são palavras não ditas que nos vem abraçar

São como soluções que nossos problemas vão desembaraçar

Suas janelas da alma revelam seu verdadeiro ser

Encantador e agradável como um exuberante amanhecer"

Voz


O ar que sobe não é o eu

Nem o som que sai da garganta é meu

Aquilo que engasga e não se ouve

Coisa que em palavras nunca houve

O isso que só se sente

A solidão de estar sempre presente

Milhares de passos que caminham em direções opostas

Um tiro dado no escuro, vamos! façam todos suas apostas

Diferentes tonalidades de um mesmo ser

Que hora irradia, em outras erradia, que tem cor mas não se pode ver

Um jardim plantado em um lugar secreto

Maleável, líquido e também concreto

A companhia invisível que alguns ignoram ter

Um mar de ondas violentas ao qual tentamos submeter

Chamamos de eu, tu e até você

Ora, que seja! É desejo indomável onde quer que esteja

E quando pensamos que acolheu a calma

Volta ao seu inicio, ansiando por tudo, menos pelo que já tocou com a palma

Por mais que eu tente, não consigo dizer

E nem por gestos me faço entender

Só me resta então ter que admitir

Que a linguagem do ser é o sentir"

Amargo


Meu gosto amargo desagrada a boca

Sou esquiço, arisco e de imagem fosca

Meus passos tortuosos formam uma trilha nada bela, pelo contrário, é um emaranhado que se enrosca e atrela

O silêncio que de mim sai atravessa a alma e ecoa pelos labirintos do ser

Uma voz que se distancia como em um efeito doppler

Sou azedo mas não amargurado

Rejeitado, e não angustiado

Há quem ache doce

Ah, quem me dera fosse!"

Passarinho


Eu sei que você se machucou ao tentar voar do ninho​

Mas tu não foi feito para ficar no chão, passarinho

E ainda que tenham tentado ferir suas asas, não deixes apagar em ti as antigas brasas

Erga-se e veja até onde pode voar

Vá para mais alto que a tempestade, para onde as nuvens escuras não podem chegar

Lá de cima seus problemas parecerão pequenos

Permita-se planar e sentir o vento no seu rosto sereno

Gaiolas não podem te prender

E por mais que insistam, seu canto ninguém pode conter

Sei que não entendem, e que por suas asas chegaram a te envergonhar

Mas não as esconda, pois a melodia só é ouvida por aqueles que ousam sonhar"

   O trabalho de Sísifo


Enrolado estava em cada laço de vida

O que foi, isso é o que há de ser

E o que fez, isso se voltará a fazer

Se tem fome, o alimento é a garantia para senti-la novamente

Se há cansaço, o descanso é a porta para a próxima fadiga, posteriormente

O desejo é como a hidra de Lerna porque renasce com novas cabeças para cada um que se realiza

Um sonho alcançado é somente um sonho que se mortifica

E nesse caminho tudo o que importa é o percurso entre a rocha e a montanha

Chegar no final pode até ser uma incerteza, mas que o trabalho será repetido, não tenha dúvida, essa é a nossa manha"

Sem rimas


O seu amor foi o seu castigo

E mesmo que não pudesse me enxergar, você me via

Sem que eu pudesse merecer, me chamou de amigo

Logo, suas dores deram lugar para o que antevia

Quando a sua força parecia se esvair , suas pernas permaneceram firmes

Como pude me esquecer dessa historia de amor, onde protagonizamos?

Dos braços que me envolvem e me fazem livre

Você sempre foi tudo o que eu queria

Ainda que eu acreditasse que carinho igual jamais obteria

Você me mostrou o que era amar

Fez-me pairar sobre as águas de um alto mar

Meus pés são vacilantes, eu sei

E, por muitas vezes não acreditar, eu afundei

Todavia, você se ergue de braços estendidos

E com amor imerecido vem me resgatar"

Fragmentos


Fragmentos de palavras não ditas

Descrevo aqui um pseudo-autor

Soletrando em busca de refúgio

Manifestando sentimento

À procura de alento

Foi-se o seu vigor

Poetizando dor

Profunda epifania

Uma amarga inspiração

Arranca-lhe o coração

Lhe rouba a alegria

Alegria esta que qualquer um pode fingir

Colocando em si como um cobertor, como um compromisso

Mas o que posso fazer se nada tenho com a alegria?

O que farei se as palavras que busco não estão em seu poder?

Então, abraço este momento como se fosse tão importante, assim como é de verdade

Deixo escapar por mim tudo o que consigo ouvir no mais íntimo silêncio

Silêncio entorpecente

Sensação inebriante

Coração paralisa

Terra que ninguém pisa

Sinto-me distante

Poeta ama, poeta sofre

Diferente não pode ser

No papel resquícios de mim

Início, meio e fim

Poetizando o que é viver

Viver mais do que há pra ver

Porque aqui é a território do sentir

Sentir o que é ser

Talvez exista uma beleza escondida nisso, talvez existam mais coisas do que um simples capricho

É uma chave sem fechadura

Uma montanha de grande altura

Onde podemos enxergar o que ninguém pode

E essa é a nossa grande sorte"

Gente


Gente é mente

Um amontoado de idéias que se auto defendem

É, em parte, abstrato

E como um retrato mutável permanece em si

Gente é o que sozinho se sente

Um abismo que olha para outro 

É vontade que impulsiona até seu desfalecer

É amor que seu amado por condição não pode ver

Por vezes detêm-se, mas, quando quer, expande seu afluentes

Tudo o que faz é mera tentativa de permanecer imortal

Desejo fatal que tece seu plano no vazio do destino

Gente não é como a gente

E por mais que as palavras nos aproximem

Subsiste em seu castelo intangível"

Pai


Pai, livra-me do sal que amarga a minha terra

E afasta a luz que aos meus olhos cega

Porque são muitos os que atiram a primeira pedra

Mas poucos os que evitam uma terrível guerra

Minhas sementes se espalharam pelo caminho

Brotaram entre rochas e no meio de espinhos

E como quem espera, eu cresço, em solo fértil, mesmo que um pouquinho

O poeta que semeia, tece a teia para o sentimento aprisionar

E através de suas veias, inspiração permeia

Para onde quer que haja um grão de areia

Suas águas venham irrigar

Portanto, ouçam o que significa a parábola do semeador: aquele que colhe o que fora atiçado em seu coração, capta a alegria de uma rosa que nasceu na devida estação" 

Sozinho


Sozinho é pensar no se apequenar
E olhar em volta e estar preso em um único lar
Uma voz que ecoa entre galerias e salões
O sentir que vaga no entendimento com grilhões
Sorrisos e lagrimas que não se repetem
A imagem que no espelho da alma se reflete
Só quem está só pode testar a própria companhia
Encarar os seus pensamentos e provar o vinho da agonia
Quem nunca se desesperou por não saber traduzir a língua que o sentir sabe falar?
Um brilho na escuridão, um estouro no silêncio ou um bater de asas pra qualquer lugar
Há quem diga que desse abismo pode atravessar
Criar pontes, derrubar barreiras e se aproximar do coração de quem quer se amar
Ora, se o amor é querer, e o querer não se controla, para onde essa maré a de me levar?
Logo eu que aprendi a andar como eremita
Um numero que entre milhões nasceu como impar
E é por isso que lhe peço:
Não me roube a solidão sem antes me oferecer a verdadeira companhia"

Aurora



Tu ecoa como a chuva

Molha a minha terra, que é seca

E por mais longínquo que pareça

Um arco-íris pinta no céu

Estrelas dançam no salão azulado

Brilham como o sorriso daquele que é amado

Porque há passos que só o amor sabe dar

E a lua, que é anfitriã da festa, veio para a noite enfeitar

Ouve meu lamento na canção do findar

Houve alegria no coração que do sono acordará

Meus sonhos não são tão bonitos como a verdade do dia

A luz da aurora que dentre as nuvens surgia

Eu disse as montanhas cheias de orvalho

Falei para as plantas e grandes carvalhos

Pedi aos ventos que pelos campos corriam

E acariciavam o rosto dos que com pressa seguiam

Clamei a todos que te fizessem lembrar

Atar os nós da saudade e do amar

Ata-nos na corda que não arrebenta

Que a si mesmo amarra sem desejar soltar

O cruzar de braços que a alma acalenta

Uma viagem onde não se sabe para onde vai ou se quer voltar

Lembre-se que você em mim ecoa

Que flui como a nascente que para o rio escoa

Lembre-se que em ti minhas asas voam

Sobem até os altos céus onde musicas celestiais os anjos entoam

Talvez seja isso que cada gotinha sente quando vem a despencar

Porque o amor é um mergulhar na escuridão do infinito

É saciar o íntimo do sedento

Fazer de si uma casa e abrigo

Um ninho na árvore para o pássaro morar "

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